Retomo minhas postagens no Blog da Kau motivada pela perda de uma grande amiga.
Um conhecido me disse certa vez que temos mais inspiração para escrever em momentos de tristeza e dor. Ele estava certo.
Não sei ao certo quais sentimentos inundam o meu coração neste momento, mas sei distinguir bem um: impotência.
Como eu não percebi nada?
Trabalhávamos juntas. Dividíamos a mesma série. Cuidávamos do recreio juntas. Compartilhávamos furador, papéis coloridos, risadas, lágrimas, problemas nossos, dos alunos e problemas COM os alunos.
E, devido a tudo isso e muito mais, há 3 dias do seu aniversário de 22 anos, decidi escrever um Epitáfio em sua homenagem.
Coragem, medo não falta.
1º de Dezembro de 2018.
Chove bastante lá fora. Parece que o céu também está triste. É difícil acreditar. Mais difícil ainda, aceitar. Que horas o despertador vai tocar e esse pesadelo irá ter fim?
Lorenza não era uma menina qualquer. No auge dos seus 21 anos, seus cabelos curtos e dourados brilhavam como seu sorriso.
"Preciso de um café" era sua frase mais frequente.
Viciada em cafeína, pão de queijo e kibe, risadas desmedidas e funk (deixo aqui meu protesto sobre esta preferência musical), seu amor pela vida era inspirador.
Apaixonada por Manu, sua sobrinha de 1 ano e poucos meses, acompanhei à distância o crescimento da pequena através do amor incondicional de sua tia. Vi o 1º dia de aula, o aniversário de 1 ano, as brincadeiras e bagunças de Manu pelo celular de Loló.
Em se tratando de amor, ela era danada. Como amava tudo. Intensamente. Amava Manu, Tomas, Matheus, Genaro, Nicolle, Maria Paula e sua mãe. Amava a vó também que estava viajando de navio e Loló estava preocupadíssima com a falta de notícias quando a vó não mandava fotos por estar em alto mar cruzando o Atlântico.
Amava Lud, Ju Avelin, Luma, Ester, Thaís, Gabi (sua companheira diária de 8103), Ms Fê, Mrs Regis, Ms Alice, Mrs Meire, Ms Iris, Ms Lucy e eu.
Amava cada um dentro da escola e no mundo afora.
Ano passado Maria Paula, sua melhor amiga, foi fazer intercâmbio na Europa. Loló não deixou barato e foi com a amiga entregá-la ao Velho Mundo e disse que, na volta, ela teria que arcar com sua terapia por fazê-la sofrer tanto com sua ausência. Contamos juntas os dias finais de retorno de Maria Paula e ela ficou bem brava porque a amiga voltou e logo arrumou um namorado. "Onde já se viu isso? Me traindo desse jeito!" reclamou ela um dia...
Rimos muito. De tudo.
Choramos também. Das dificuldades do dia a dia, dos problemas de saúde dela, das situações com as crianças...
Mas as risadas sempre foram mais frequentes.
Amávamos discutir política. Era de Esquerda, feminista, e como boa professora raiz, defensora de Paulo Freire e de um mundo mais justo para todos. Torcia para o Cruzeiro, sua paixão mesmo, outro defeito que eu aprendi a relevar...
Loló tinha um sonho: abrir sua própria escola em "Lafinha" (era como se referia à sua cidade). O duro era se formar sem surtar, como sempre dizia.
Como ela amava sua profissão. "Nasci pra isso". Estava organizando um novo intercâmbio e seu pai já havia concordado: queria melhorar seu inglês e aprender mais para ser uma ótima professora. Como se ela já não o fosse...
Quando retornou ao trabalho após sua licença médica, comentou da saudade imensa que sentia das salas de aula e das crianças: sua grande paixão. E ela tinha duas crianças em especial que dominavam seu coração: Inácio e Rafa. Esses dois pequenos enchiam sua vida de alegria (respeitando claro, o espaço de Manu!).
Em seu último dia de escola, lá pelas 12:40 eu a vi carregando Rafinha nas costas (coisa comum entre as crianças, que amavam fazê-la de cavalinho, ponte, elevador, mãe, amiga...) e eu, dentro da minha velhice rabugenta reclamei:" Se essa menina cair e bater a cabeça no chão é você quem vai lá embaixo dar explicações pra mãe dela!!!"
Loló, com seu sorriso maroto e sua ginga moleque deu uma risada e me retrucou:" Relaxa, eu sou a mãe dela!"
Ser moleque era sua marca registrada, ou seria o sorriso?
Veio de chinelos trabalhar porque dormiu na casa do namorado e esqueceu de levar os sapatos... Gostava de bermuda e camiseta porque era mais confortável e detestava ficar presa à formalidades. Queria era ser feliz. Porque a vida era curta, dizia ela. E como foi....
"Coragem, medo não falta" era sua tatuagem feita após sua vitória contra o câncer... E o medo venceu.