2 de dez. de 2018

Coragem, medo não falta.

Retomo minhas postagens no Blog da Kau motivada pela perda de uma grande amiga. 

Um conhecido me disse certa vez que temos mais inspiração para escrever em momentos de tristeza e dor. Ele estava certo.

Não sei ao certo quais sentimentos inundam o meu coração neste momento, mas sei distinguir bem um: impotência.

Como eu não percebi nada?
Trabalhávamos juntas. Dividíamos a mesma série. Cuidávamos do recreio juntas. Compartilhávamos furador, papéis coloridos, risadas, lágrimas, problemas nossos, dos alunos e problemas COM os alunos.

E, devido a tudo isso e muito mais, há 3 dias do seu aniversário de 22 anos, decidi escrever um Epitáfio em sua homenagem.


Coragem, medo não falta.

1º de Dezembro de 2018. 
Chove bastante lá fora. Parece que o céu também está triste. É difícil acreditar. Mais difícil ainda, aceitar. Que horas o despertador vai tocar e esse pesadelo irá ter fim?

Lorenza não era uma menina qualquer. No auge dos seus 21 anos, seus cabelos curtos e dourados brilhavam como seu sorriso. 

"Preciso de um café" era sua frase mais frequente. 

Viciada em cafeína, pão de queijo e kibe, risadas desmedidas e funk (deixo aqui meu protesto sobre esta preferência musical), seu amor pela vida era inspirador. 

Apaixonada por Manu, sua sobrinha de 1 ano e poucos meses, acompanhei à distância o crescimento da pequena através do amor incondicional de sua tia. Vi o 1º dia de aula, o aniversário de 1 ano, as brincadeiras e bagunças de Manu pelo celular de Loló. 

Em se tratando de amor, ela era danada. Como amava tudo. Intensamente. Amava Manu, Tomas, Matheus, Genaro, Nicolle, Maria Paula e sua mãe. Amava a vó também que estava viajando de navio e Loló estava preocupadíssima com a falta de notícias quando a vó não mandava fotos por estar em alto mar cruzando o Atlântico. 
Amava Lud, Ju Avelin, Luma, Ester, Thaís, Gabi (sua companheira diária de 8103), Ms Fê, Mrs Regis, Ms Alice, Mrs Meire, Ms Iris, Ms Lucy e eu. 
Amava cada um dentro da escola e no mundo afora. 

Ano passado Maria Paula, sua melhor amiga, foi fazer intercâmbio na Europa. Loló não deixou barato e foi com a amiga entregá-la ao Velho Mundo e disse que, na volta, ela teria que arcar com sua terapia por fazê-la sofrer tanto com sua ausência. Contamos juntas os dias finais de retorno de Maria Paula e ela ficou bem brava porque a amiga voltou e logo arrumou um namorado. "Onde já se viu isso? Me traindo desse jeito!" reclamou ela um dia...

Rimos muito. De tudo.
Choramos também. Das dificuldades do dia a dia, dos problemas de saúde dela, das situações com as crianças...
Mas as risadas sempre foram mais frequentes.
Amávamos discutir política. Era de Esquerda, feminista, e como boa professora raiz, defensora de Paulo Freire e de um mundo mais justo para todos. Torcia para o Cruzeiro, sua paixão mesmo, outro defeito que eu aprendi a relevar...

Loló tinha um sonho: abrir sua própria escola em "Lafinha" (era como se referia à sua cidade). O duro era se formar sem surtar, como sempre dizia.

Como ela amava sua profissão. "Nasci pra isso". Estava organizando um novo intercâmbio e seu pai já havia concordado: queria melhorar seu inglês e aprender mais para ser uma ótima professora. Como se ela já não o fosse...

Quando retornou ao trabalho após sua licença médica, comentou da saudade imensa que sentia das salas de aula e das crianças: sua grande paixão. E ela tinha duas crianças em especial que dominavam seu coração: Inácio e Rafa. Esses dois pequenos enchiam sua vida de alegria (respeitando claro, o espaço de Manu!). 
Em seu último dia de escola, lá pelas 12:40 eu a vi carregando Rafinha nas costas (coisa comum entre as crianças, que amavam fazê-la de cavalinho, ponte, elevador, mãe, amiga...) e eu, dentro da minha velhice rabugenta reclamei:" Se essa menina cair e bater a cabeça no chão é você quem vai lá embaixo dar explicações pra mãe dela!!!"
Loló, com seu sorriso maroto e sua ginga moleque deu uma risada e me retrucou:" Relaxa, eu sou a mãe dela!"

Ser moleque era sua marca registrada, ou seria o sorriso? 
Veio de chinelos trabalhar porque dormiu na casa do namorado e esqueceu de levar os sapatos... Gostava de bermuda e camiseta porque era mais confortável e detestava ficar presa à formalidades. Queria era ser feliz. Porque a vida era curta, dizia ela. E como foi....

"Coragem, medo não falta" era sua tatuagem feita após sua vitória contra o câncer... E o medo venceu.



  

Pandemia, escolas fechadas e Cloroquina

Depois de um longo período de isolamento, trabalho duro e reflexão, retomo as atividades do Blog da Kau com um desabafo. Senta que lá vem te...